terça-feira, 30 de abril de 2013

Coveiros do capitalismo?



Por Adelson Vidal Alves

 O advento do capitalismo introduziu na sociedade moderna enormes transformações nas relações sociais. Dentre elas, destaca se a organização produtiva coletiva, onde cada vez mais gente saía de suas pequenas e solitárias unidades produtivas para ingressar em grandes fábricas, que em seu modelo de produção obrigava milhões de pessoas a vivenciarem juntos o processo de fabricação de bens consumo. Tal vivência também se estendia às conversas sobre o cotidiano. Pela primeira vez na história os trabalhadores poderiam refletir juntos a exploração que sofriam.

Para Karl Marx, fundador do socialismo científico, a aglomeração de operários nas grandes fábricas modernas trazia em si um potencial revolucionário, já que fazia interagir a indignação diante da opressão em que estavam expostos. Em tom messiânico o filósofo alemão chegou a afirmar categoricamente que eram eles, os proletários, os “coveiros” do capitalismo, ou seja, os sujeitos de sua destruição.

O pensador comunista foi mais além e desenvolveu uma teoria da revolução. Alguns pontos devem ser lembrados. 1) Os operários, para Marx, se tornariam gradualmente mais homogêneos 2) Estes trabalhadores do capitalismo, com o tempo, se empobreceriam cada vez mais, dada a busca  incessante de lucro por parte da burguesia 3) A sociedade tendia a se “proletarizar”, tornando as massas revolucionárias bem mais robustas. 4) Seria a classe operária e seu partido os sujeitos de revolução.

Passados mais de um século, as transformações da contemporaneidade contrariaram Marx, vindo a forçar assim novas reflexões sobre a centralidade do trabalho na sociedade e a vocação revolucionária do operariado fabril. A questão está no fato de que o proletariado se tornou mais heterogêneo em meio a reestruturação produtiva, o trabalho se diversificou, os trabalhadores obtiveram ganhos sem precisar romper com a ordem do capital, e os partidos operários são hoje obrigados a dar ouvidos aos novos atores coletivos que ora nos apresentam.

A diversificação do mundo do trabalho é hoje um obstáculo a consciência de classe. As unidades produtivas do tempo toyotista consagram uma produção fragmentada, um trabalhador multifuncional sob um ideal de gerenciamento que tenta minar qualquer percepção de luta de classes. Um operário na linha de montagem sofre mais valia, assim como um operador de informática em seu aconchegante escritório, longe da barulheira do maquinário. Contudo, a unidade de consciência de ambos se torna mais difícil, separados que estão por uma cultura de divisão que caracteriza aqueles que o sociólogo Ricardo Antunes chamou de “classe-que-vive-do-trabalho”.

Estes a quem Antunes se refere, a meu ver, permanecem como linha de frente da revolução, mas o maior desafio é exatamente conectá-los a uma unidade mínima de consciência, assim como aprimorar suas relações com o caldo social que emergiu a partir desta nova e complexa sociedade globalizada.

O fato, infelizmente, é que sindicatos e muitos partidos de esquerda não conseguiram se adaptar a esta nova realidade. Permanecem cegos em seus arcaicos jargões classistas, dispostos a mover greves instantâneas e tomar o poder de assalto.  Produzem um paradoxo onde coloca a própria esquerda em crise, exatamente no momento em que seu principal inimigo, o capitalismo, dá claro sinais de esgotamento. Recuperar a capacidade de mobilização popular depende, nos dias de hoje, da nossa capacidade de entender o mundo, para nele intervir. Unir teoria e prática nunca foi tão urgente.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

O Brasil não é racista

Por Adelson Vidal Alves 
            

O Brasil contemporâneo definitivamente não é racista. Nos dias de hoje qualquer expressão pública de preconceito racial é prontamente condenado pelo povo brasileiro, motivo pelo qual nossa estrutura jurídica se desenvolveu fortemente para uma prática de condenação dura aos que recorrem a tal ato. Não significa, contudo, que o racismo não seja recorrente na vida social do país, pelo contrário, não faltam nos noticiários ações de agressão e discriminação movidas por preconceito de raça. 

Acontece que o chamado “racismo a brasileira” tem suas particularidades, que deveriam nortear as políticas de combate ao preconceito de cor, mas que na maioria das vezes são ignoradas. Diferentemente dos EUA, nossa abolição da escravatura não nos deixou de herança leis raciais, e nem separou geograficamente negros e não negros. Ainda que tenhamos dívidas sociais com os escravos, libertos sem nenhuma concessão, nossa nação não precisou lutar contra leis discriminatórias, e nem nos desenvolvemos por dentro de uma república racista. O Estado que construímos a partir do republicanismo oligárquico era extremamente excludente, mas jamais racialista.  

Estranha-nos, todavia, que em plena modernidade o Estado brasileiro faça o caminho de volta ao racismo. Desde os primeiros anos do século XXI nosso país tem produzido abundantemente leis que consideram a cor da pele como referência de benefício. Até o STF cedeu às pressões e deu constitucionalidade a aplicação de políticas de separação racial nas universidades e serviços públicos, mesmo quando nossa Carta Magna rejeita claramente favorecimento nos serviços públicos a partir do paradigma da raça.

Seja como for, o fato é que o poder público já consolidou uma governança que introduz em nossas universidades a divisão dos alunos por raça. As Instituições Federais de ensino apresentam atualmente duas listas de aprovados. Negros e não negros tem hoje lugares diferentes para disputar uma vaga no vestibular, mesmo quando as verdadeiras barreiras de acesso, ou seja, as econômicas e sociais, os coloquem no mesmo ponto de partida. Aliás, uma das universidades pioneiras em cotas raciais, a UNB, durante anos seguiu como critério único de admissão por cotas a cor da pele, podendo assim incluir negros ricos e excluir brancos pobres de suas cadeiras.

No embalo do modismo das lutas das minorias, nossos governos fazem um pacto com setores oportunistas do movimento negro, que claramente se beneficiam com as leis raciais, ascendendo ao poder e ganhando espaço político em meio à falsa polarização racial.

Não se preocupam estes em estar repartindo racialmente nossa pátria. Não medem os prejuízos ao estar incentivando rivalidades raciais e muito menos se atentam quanto ao fato do racismo se fortalecer quando se criam privilégios raciais.

Na verdade deveríamos urgentemente eliminar qualquer simbolismo que ainda separe humanos por grupos biológicos. Em outros tempos terminou-se em Apartheid e em Nazismo, nos dias atuais esperamos que a diversidade e o respeito vençam a segregação. Acabar com as políticas raciais já seria um bom começo.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Fundamentalismo religioso



Por Adelson Vidal Alves

Em nome de Deus foram cometidas as maiores atrocidades: a Inquisição, as cruzadas, o estelionato das igrejas neopentecostais, os conflitos na Irlanda, o terrorismo de muçulmanos, o charlatanismo de operações espirituais. Por Deus, também, foram testemunhadas as mais vivas provas de amor e generosidade: Francisco de Assis, que deixou o luxo e doou sua vida aos necessitados, Dom Oscar Romero, assassinado pelos poderosos por dedicar sua existência na luta por justiça, Chico Xavier, o médium que fez de seu dom o consolo aos aflitos e de sua vida solidariedade aos mais pobres, o Pastor Martin Luther King, atuante defensor dos direitos civis nos EUA, Dalai Lama e Gandhi, pacifistas e ativistas pela libertação dos povos.

Exemplos não faltam para estender ambas as listas. O eixo que divide os dois grupos responde pelo nome de “fundamentalismo”. Este faz de uma fé ou doutrina religiosa verdade absoluta, e assim, a religiosidade do outro como sendo falsa, e consequentemente um mal a ser combatido, às vezes em forma de guerras e eliminação física. Pastores e padres cristãos condenam a homossexualidade como pecado e o homossexual como pecador. Sua base? As escrituras sagradas, lidas ao pé da letra, completamente descontextualizadas do seu tempo, e rigorosamente dispensadas de hermenêuticas mais sofisticadas e sensíveis ao mundo moderno.

Lembro-me bem do documento Dominus Iesus (Senhor Jesus em latim) do então cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para Doutrina da fé do Vaticano, que deixava bem claro a superioridade da Igreja Católica como religião, no qual os que a ela rejeitam correm o sério risco de perderem a salvação. Com bem menos competência intelectual, a bizarra pastora e cantora evangélica Ana Paula Valadão joga nas costas da “idolatria” à Nossa Senhora a culpa pelas mazelas sociais do Brasil. Em suas pregações espetaculosas pede a Deus a conversão da “Babilônia do mal”. Ambos os casos emperram a difusão do ecumenismo e do diálogo inter-religioso. É bom que fique claro que ecumenismo não tem nada a ver com todos acreditarem em tudo, mas sim em concentrar os esforços no que une a fé cristã. 

Quantos padres ou pastores vemos falando da unidade doutrinal que coloca Cristo como o messias, tanto no catolicismo como no protestantismo? Poucos, a maioria prefere se estapear quanto aos pontos de fé que os separa teologicamente.

As religiões são tão somente leituras diversas do divino. Como o ser humano é plural, é normal que formas de ver Deus somem as tantas versões que a religiosidade institucional apresenta. São mais de 56ooo religiões no mundo todo.

Como Deus não nos veio pessoalmente carimbar sua religião, ninguém está autorizado a se apresentar como portador da verdade. Seria, assim, razoável que possamos viver em respeito uns aos outros, em tolerância com a crença diferente. Afinal, Cristo, Maomé, Gandhi ou Kardec foram todos adeptos da idéia de que a salvação está na forma como vives, e não no templo que freqüentas.


sexta-feira, 12 de abril de 2013

Democracia e minorias



Por Adelson Vidal Alves


O mundo contemporâneo apresenta uma realidade bem mais complexa do que aquela que basicamente caracterizava os séculos passados. Já não é possível apostar em uma simplificada divisão de classes econômicas e muito menos fazer delas principal paradigma de identidades. Pelo contrário, os conflitos que mais pulsam em nossas atuais sociedades respondem por localizações de gênero, orientação sexual, raça, religião, nação, etc.

Tal novidade traz desafios para a concepção de democracia e responsabiliza o Estado na regulação de uma vida civilizada que preserve tamanha diversidade. Como historicamente as divergências se transformam em conflitos abertos, haja vista que as identidades se orientam em meio à opressão e discriminação, a sociedade que se cria no mundo atual depende diretamente da capacidade do poder governamental de saber impedir que diferenças se convertam em exploração. Para tanto, precisam proteger as minorias contra a violência simbólica e física e incluí-las com suas particularidades na vida cidadã. É do Estado também a tarefa de não deixar que a criação de direitos segregue. Sua tarefa central não é facilitar a vida de grupos isolados, mas, sim, universalizar os direitos e manter uma vida social de “unidade na diversidade”. As manchetes de jornais não dão destaque hoje à luta de classes e nem às greves, mas às polêmicas que envolvem cotas raciais, casamento gay, religião e política etc. Prova viva do destaque destes novos embates.

A eleição de Marcos Feliciano à presidência da Comissão de Direitos Humanos produziu debates calorosos na sociedade. O pastor, Deputado do PSC, deu declarações pessoais sobre negros e homossexuais e foi prontamente criticado pelas minorias organizadas. É aí que entramos num ponto importante. Também é nova para nós a transição de resistência das minorias para um período de ofensiva, caracterizado pela introdução de leis e políticas públicas de avanços em suas reivindicações. A sensibilização social para com suas causas cria ambiente propício para que o poder estatal aja com recursos específicos a seu favor, criando, naturalmente, polarização com outros grupos sociais, que discordam de novos padrões comportamentais encorajados por tais minorias.

Se por um lado é correto e necessário proteger e avançar em direitos cidadãos para as minorias, é condenável e perigoso que se estabeleçam privilégios às mesmas, na hierarquia das políticas públicas. Na luta de classes, o motor central da contradição é a questão econômica e amenizam-se na medida em que ganhos concretos se estabelecem no campo financeiro, na maioria das vezes sem deixar cicatrizes ou discórdia. O mesmo não se dá nos enfrentamentos sobre religião, nas divergências quanto situação homossexual e, mesmo, sobre a necessidade de repartir políticas de Estado por paradigmas de raça. Neste terreno, o ódio é incentivado e as divisões se tornam violentas. Sendo assim, não se deve buscar a vitória de uma visão de mundo, mas o estabelecimento de consensos de vivência em torno da tolerância.

Com Marcos Feliciano a discriminação é visível, mas o movimento LGBT também viola regras democráticas quando interfere na vida íntima e de fé do Deputado. Ocupar igrejas, dar beijos lésbicos em ambientes religiosos, impedir sessões da comissão presidida por ele, são igualmente ações autoritárias que não condizem com a real democracia.

O lugar das minorias nas sociedades modernas será construído com suas lutas e organização, mas não poderá jamais se sobrepor à ética universal, que faça da civilização humana regra de vida central. A “vitimização”, como projeto de poder das minorias, inverte sua situação histórica, colocando-as em papéis de controle, que se movem por práticas autoritárias e ferem a utopia quanto a uma democracia plural e plenamente realizada. 


Créditos

Revisão textual:  Regina Vilarinhos

segunda-feira, 8 de abril de 2013

As oposições e o mau-caratismo petista



Por Adelson Alves

O apego do PT ao poder beira a mais insana das patologias. Entronizado, o partido tem se dedicado exclusivamente na manutenção e extensão do poder, uma tendência natural humana, como nos ensinava Maquiavel, mas que no Partido dos Trabalhadores ganha os contornos mais trágicos.

O processo de redemocratização brasileira, ainda que feita pelo alto, nos legou um conjunto de instituições que estabilizam o jogo democrático, mas que nos governos do PT foram tratados como balcão de negócios, isso quando não simplesmente um aparelho de transmissão de interesses partidários. Os organismos públicos que deveriam servir a nação acabaram-se por transformar em alongamento do obeso corpo político petista.

Garantir a hegemonia absoluta, abastecer a esfomeada máquina partidária, profissionalizar especialistas em poder custa caro. Não é a toa que o partido faz as mais espúrias alianças eleitorais, chantageia, se vende ao poder econômico, acolhe Malufes e Meirelles no seio de sua administração. Isto é, estão dispostos a todo tipo de sujeira e maracutaia para se perpetuar no banquete farto palaciano.

Quem não parece entender isso tudo são as oposições. Em 10 anos de atuação fez muito pouco, concentrando-se basicamente no denuncismo ético. Ora, a base eleitoral que dá vida ao PT não se preocupa com os desvios morais e a corrupção sistêmica que o partido pratica. Com baixa escolaridade e na parte inferior da pirâmide social, são todos reféns da chantagem social que os programas assistencialistas do governo promovem em tempos de pleito.

As oposições também parecem não entender o quanto inescrupuloso é o jogo petista. Desfilando em meio à popularidade de seus presidenciáveis, o PT destila arrogância, mas não deixa de mostrar claríssimos traços de insegurança e medo. Marina Silva e Eduardo Campos, possíveis candidatos ao poder central, levam ao campo nacional a possibilidade de uma disputa em que plebiscitos do tipo Lula x FHC já não farão o devido sucesso. O que será da militância petista, robotizada a agir como se a culpa da Guerra da Coréia fosse do PSDB e FHC? O que dirão de Marina Silva, a mais progressista entre os ministros dos 10 anos de império petista? E quanto a Eduardo Campos? Socialista e democrata, líder do partido que mais cresce nos estados brasileiros? Virariam todos inimigos neoliberais de uma hora para outra?

Seria necessário mais que simples cartilhas do marketing petista para ensinar aos remunerados cabos eleitorais a difamar quem a história lhe dá reputação impecável.

Mas como inteligência e bom senso não têm sido as virtudes mais invocáveis do neopetismo, estão todos se armando para sangrar seus inimigos. Usar a imprensa, a militância, as redes sociais, o dinheiro público, todo o arsenal que compõe o cenário de uma guerra sem limites são passos que a legenda de Lula propõe-se a fazer nos próximos anos.

E a oposição? Aceitará quieta ao triunfo do mau-caratismo em seu silêncio passivo? Ou se voltará em apresentar mensaleiros e valériodutos como seus cabos eleitorais, sem se importar com os programas?

A tarefa das oposições é começar desde agora a criticar duramente o governo. Denunciar a corrupção planejada de sua cúpula, suas alianças com o que há de mais retrógrado na sociedade brasileira, apontar a desastrosa política econômica como sendo indutora de riscos inflacionários, enfim, desnudar a tragédia de gestão do partido mais corrupto da história da República. Nada disso, todavia, substitui a apresentação de um projeto alternativo, que seja capaz de lançar luz sobre um novo rumo para nação brasileira. Qualquer equivoco na condução do discurso oposicionista pode fazer de 2014 apenas mais um ano de consagração da “pequena política” brasileira, infelizmente uma realidade perversa nas mãos do petismo mau-caráter há pelo menos 10 anos.