segunda-feira, 30 de junho de 2014

A importância do Partido político

Por Adelson Vidal Alves



Vladimir Lênin, líder da Revolução russa de 1917, dizia que o papel do partido político revolucionário é fazer com que a consciência da classe operária evolua, de uma concepção meramente sindical para uma universal. Antônio Gramsci, o teórico sardo das sociedades ocidentais, falava algo semelhante: defendia que a função do partido seria elevar a concepção de mundo, de um momento “egoístico-passional” para um “ético-universal”. Esta movimentação recebeu o nome de “catarse”. O partido político, ainda segundo Gramsci, cumpriria o papel do Príncipe de Maquiavel, com a diferença de que, no mundo moderno, o Príncipe não seria um individuo, mas uma organização coletiva. Isto é, o partido político, chamado de “moderno príncipe”.

Há os que, porém, criticam fortemente o partido político. O irlandês John Holloway, autor de mudar o mundo sem tomar o poder, diz que os partidos políticos nascem para disputar o Estado, e como tal, reproduzem a lógica autoritária deste para dentro de sua organização. Os Partidos estariam, assim, condenados ao autoritarismo. Não podemos deixar de observar, ainda, que em grande parte do mundo, como testemunham as ultimas manifestações, os partidos políticos vem perdendo confiança junto às massas.

Todavia, a importância do partido político no mundo atual permanece grande. Fora dele as manifestações são sempre parciais. Um sindicato quer melhoria salarial, o movimento sem-terra quer a democratização do uso da terra, o movimento LGBT luta contra a homofobia. Todos eles, por mais importantes que sejam, não conseguem sair das reivindicações corporativas. Somente o partido é capaz de organizar estas demandas setoriais para uma dimensão universal, trazendo a problemática para a esfera do Estado, do poder e da necessária transformação da ordem social. Como vimos em Junho no Brasil, os milhões de brasileiros que saíram as ruas, com indignação e crítica, não foram capazes de, sem ajuda da direção consciente de um organismo social, obter conquistas que vão além de pequenos ajustes no sistema.

O partido político segue tendo seu papel, porém, pelo menos aqueles que se propõe fazer mudanças substanciais na sociedade, devem obedecer algumas diretrizes. Não se pode mais pensar um partido revolucionário de caráter militar, uma espécie de escola para recrutar homens e mulheres interessados em tomar o Estado pela força. São anacrônicos os partidos que seguem a velha forma leniniana do centralismo-democrático, pensado para um momento particular de clandestinidade e reduzido campo de atuação política. Para os nossos dias deve se pensar uma organização aberta e democrática. Sua atuação deve obediência a Constituição e as regras estabelecidas pelo Estado de direito. Qualquer mudança só deve ser tolerada em respeito absoluto aos limites da democracia política.

O partido moderno que pretenda ter voz na sociedade, também deve abandonar perspectivas teleológicas, como se o futuro civilizado só tenha espaço em um determinado modelo social utópico, como o socialismo, por exemplo. Projetos finalísticos correspondem a utopias teológicas, e podem amarrar a atuação partidária a um determinado objetivo, como se a busca do "paraíso" só se possa dar em uma direção.

Construir este partido, moderno, plural, amplo e democrático é tarefa difícil, principalmente por estarmos diante de uma crise no sistema político mundial. Mas enquanto o desenvolvimento histórico não apresentar outro instrumento que dê conta das tarefas do partido político, este permanece atual na missão de construir o interesse universal contra os interesses particulares.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Gramsci e a revolução brasileira

Por Adelson Vidal Alves

Antônio Gramsci, o comunista sardo e teórico das sociedades “ocidentais”, chegou ao Brasil nas décadas de 60 e 70, graças ao trabalho dedicado de intelectuais como Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder e Luiz Mário Gazzaneo. Contamos, ainda, na tarefa de incorporar o italiano em nossa cultura, com o apoio imprescindível de Ênio Silveiro e sua Editora, a valorosa Civilização Brasileira.        

É verdade que a primeira recepção de Gramsci não foi das melhores. Virou peça de Sebo. Talvez pelo fato de que a esquerda brasileira e sua intelectualidade estavam muito mais encantadas com as experiências revolucionárias da “guerra de movimento” do que preocupadas em interpretar a realidade brasileira. Caso lessem Gramsci, com olhar democrático, quem sabe fossem evitadas a experiência fatídica das esquerdas armadas, que fez tombar dezenas de militantes, convencidos que estavam que, no Brasil do regime militar, não havia outro caminho senão o de derrubar a ditadura e implantar o socialismo pela via das armas.  

Só mesmo mais tarde, com o fracasso das guerrilhas, é que Gramsci vai ser devidamente acolhido, não só nas universidades, mas também entre os partidos e movimentos de esquerda. Era o momento em que se abria, em nossa sociedade civil, uma frente ampla contra o governo militar, que atuava nas brechas deixadas pelo regime. A ideia predominante era que o caminho deveria ser o de derrotar a ditadura, e não derrubá-la.

Devidamente cidadão brasileiro, como brinca um de seus melhores intérpretes, o já citado Carlos Nelson Coutinho, o fundador do PCI e prisioneiro de Mussolini passará a influenciar todo o conjunto da esquerda brasileira, desde suas frações mais radicais, como o PSOL e o PSTU, até sua parcela mais moderada. Gramsci, no entanto, vai ser lido das mais diversas formas, algumas delas, bizarras.

Sabemos que a produção de sua obra se deu em condições precárias, no cárcere fascista e sob severa vigilância. Um livro sequer foi escrito por ele. A obra madura do comunista da Sardenha, escrita em cadernos escolares de capa dura, só nos chega hoje graças a seus editores, e também pelo trabalho de preservação feito por sua cunhada Tatiana, com quem matinha frequente contato na prisão, e também pelo economista Piero Sraffa, provável agente da KGB.

Sendo assim, é compreensível diversos olhares sobre seus escritos, o que não significa, porém, autorizar distorções. Do tipo daquela que o coloca como um socialdemocrata, arrependido do comunismo. Pior, há ainda os que apoiam a equivocada tese de que nos escritos da maturidade, Gramsci seguiria apoiando a tática de ataque aberto ao Estado como forma de revolução.

Parece claro que nosso autor tenha levado para sua reflexão carcerária, o dilema do sucesso revolucionário em sociedades atrasadas (Russia) e o fracasso nas desenvolvidas (Alemanha). A conclusão que chega vai aparecer em dois preciosos conceitos: o de Ocidente e Oriente. O primeiro, seria as realidades onde há equilíbrio entre o Estado, visto como coerção, e a sociedade civil, lugar de produção de consensos. Já no Oriente, para usar suas próprias palavras “O Estado é tudo, e a sociedade civil primitiva e gelatinosa”. Diante desta constatação, Gramsci logo elege uma nova estratégia revolucionária para o Ocidente, que ele chama de “Guerra de posição”, a saber, uma longa e persistente batalha por espaços na sociedade civil, uma luta gradual pela conquista da hegemonia.

Ora, fica evidente que Gramsci não insiste em tomadas violentas do poder, antes, sugere que transformações profundas em sociedades complexas só se darão em longos percursos de tempo, através de articulações e disputas políticas que tenham como meta a busca de aliados e consensos.

No Brasil, podemos dizer que chegamos a “ocidentalidade” já no segundo Pós-guerra, ainda que um Ocidente do subúrbio. Fato, ainda, é que mesmo o golpe civil-militar de 1964, não foi capaz de interromper esta trajetória. Podemos dizer, assim, que nossas expectativas revolucionárias de hoje, depois dos avanços extraordinários de nossa democracia, robustamente revigorada na carta de 1988, devem ser todas depositadas na luta processual, dentro da democracia e suas instituições. Opções insurrecionais não corresponderiam a nossa realidade, imune que está a simples assaltos ao poder.

Uma esquerda revolucionária, que se pretenda moderna, deve ser democrática, definitivamente obediente às diretrizes constitucionais. Não deve, jamais, instrumentalizar a democracia, muito menos depositar esperanças em estratégias que se espelham na tomada do Palácio de governo. O que Gramsci nos ensina, ou pelo menos dá a direção, é que a política revolucionária deve ser, nas realidades ocidentais, um jogo de paciência, inteligência e capacidade de concessão. O triste é perceber, desde já, que nossa esquerda é débil nesta tarefa. A democracia ainda ganha adjetivos de classe na maioria dos discursos esquerdistas brasileiros. O resultado é trágico, e não é difícil de perceber.

terça-feira, 17 de junho de 2014

MST e democracia

Por Adelson Vidal Alves



A luta pela Reforma agrária é justa, disso ninguém dúvida. O que se questiona, porém, é a estratégia que grupos se utilizam para alcançar esta meta, sobretudo, o MST, que nos últimos anos praticamente assumiu o monopólio da representação dos sem-terra.

A fundação do movimento contou com a mãozinha da Igreja Católica, particularmente, seu setor mais à esquerda, que tem na teologia da libertação sua fonte de atuação. No decorrer dos anos foi fortalecendo suas bases, ganhou destaque nacional com ocupações de terra, elegendo o PT como seu braço político. Hoje, tornou-se uma organização fortemente centralizada e disciplinada, com uma ideologia que vai além da questão da terra, estendendo sua ambição à construção de outra ordem social: o socialismo.

O MST, em sua organização interna, não é democrático. A decisão sempre se dá por uma pequena cúpula, que conta com o consentimento de uma base doutrinada e acrítica, recrutada dentro de uma articulação que inclui partidos, igrejas e seus apoiadores na sociedade. Seu líder maior, João Pedro Stédile, advoga um marxismo ultra-vulgar, com simpatias por ditaduras de esquerda e de personalidade tristemente autoritária. O trabalho de manipulação do MST, feito em suas bases, vai de cursos nos assentamentos até Universidades doutrinadoras e fotos de Che Guevara nos livros e agendas.

A relação do movimento com a democracia é conturbada. Convencido de estarmos vivendo uma “democracia burguesa” e não a democracia como conquista de civilização, colocam as leis e o Estado de direito abaixo de seus projetos, que seriam justos, e assim, justificáveis até mesmo quando chegam a extremos por fora das leis.

O MST parece estar vivendo em um regime autoritário, tamanho é sua fúria contra o  as instituições e as propriedades privadas e públicas, frequentemente atingidas por invasões e depredações. Os líderes do movimento acreditam que só vencendo a atual ordem institucional poderão fazer valer a justiça social.

A relação desafinada entre MST e democracia faz com que comece, nos dias atuais, a perder legitimidade em suas lutas. Poderia, caso aceitasse integrar-se de corpo e alma à democracia política, introduzir na esfera pública um importante setor das classes subalternas, que mesmo com suas lutas, ainda carece de direitos sociais.

A Carta de 1988 fundou uma nova etapa na vida republicana, produzindo um aumento extraordinário nos direitos civis, políticos e sociais. Se a partir dela, e em total obediência a ela, o movimento optar em participar da vida democrática, tem tudo para fazer avançar, em sua militância, a consciência de atuação política cívica e moderna, que excluiria a violência e as ações ilegais. Para isso, precisará fazer mudanças drásticas em sua lógica interna, deixando de ser uma organização de caráter quase militar e abrindo-se ao jogo democrático-institucional. Não só seria a escolha mais inteligente, como também a única para manter algum tipo de legitimidade em suas reivindicações dentro do Estado de direito.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Copa e reeleição

Por Adelson Vidal Alves


Quando Dilma acolheu a realização da Copa do Mundo no Brasil, achou que o evento fosse capaz de, temporariamente, acalmar os conflitos na sociedade brasileira. Todos estariam unidos por uma só causa: a “Pátria de chuteiras”. Não foi isso que aconteceu.

Os gastos exagerados e sem transparência com o campeonato,  expôs um governo incompetente para gerir recursos e completamente submisso a entidades internacionais. Foi o alimento para que milhões de brasileiros fossem às ruas em Junho de 2013, interrompendo uma longa inércia política e afetando diretamente a popularidade da presidenta, que desde então nunca mais foi a mesma. Não houve um só momento que Dilma falasse em Copa e não fosse vaiada.

Não tenho apreço por slogans do tipo “Não vai ter Copa”, muito menos aprovo uso da violência de mascarados contra a imprensa e o patrimônio público e privado. São movimentos que destoam de nossa cultura democrática, ainda em processo de fortalecimento, mas capaz de produzir, há pouco mais de duas décadas, uma Carta Constitucional das mais modernas e democráticas.  Acontece que uma análise lúcida dos fatos aponta com clareza que a Copa é hoje um grande problema eleitoral para o PT.

Dilma torce pela vitória da seleção, para que, talvez, o povo alivie seus erros e volte a dar a ela um novo mandato. É a velha crença no futebol como ópio. É possível, também, que nem mesmo a taça e o hexa sejam capazes de frear o declínio governista.

Até agora há uma clara ligação entre o mega evento e o desgaste de Dilma, se isso vai virar votos para oposição, aí é outra história. Por enquanto vemos, fora dos estádios, uma politização da Copa, ambos em extremos. De um lado, os governistas saudando o evento como uma conquista que trará legados para o país, chamando de “vira-latas” os que se opõem ao Mundial. De outro, os que tratam a Copa como um mal para a nação, forma de alienação das consciências, motivo pelo qual deveria ser interrompida pela força da violência.

É óbvio que nenhuma destas radicalizações reflete a realidade. Se é verdade que os estádios fecharam as portas para os pobres, por outro, recusar-se a sequer vestir a camisa brasileira em dias de jogo, em nada ajuda a fazer avançar o Brasil  em soluções democráticas. O que sabemos, com certeza, é que a queda de braço sobre o significado da Copa pode influenciar em Outubro, com grandes chances de prejuízo para o governo. Neste aspecto, o campeonato de futebol no país do futebol poderá sair como um obstáculo para a reeleição de Dilma. Vamos aguardar. 

terça-feira, 10 de junho de 2014

O feminismo que atrapalha

Por Adelson Vidal Alves



Na segunda metade do século XX emergem uma série de movimentos sociais que vão além dos velhos conflitos entre classes sociais. Eles agora falam por questões de gênero, raça e cultura. São o que podemos chamar hoje de “movimentos das minorias” (gays, mulheres, negros etc).

O feminismo é um deles. Em seu estado positivo, luta por uma sociedade menos desigual entre homens e mulheres, seja no trabalho, na vida doméstica ou na participação política. Cobra-se a soberania do corpo da mulher, o direito ao aborto e denuncia-se o assédio masculino. Sempre respeitando os limites democráticos.

Porém, como de costume entre as ideologias, sua causa acaba ganhando comportamentos radicais, exagerados e às vezes condenáveis. São as feministas que usam da tática de escandalizar a sociedade, seja mostrando os seios, introduzindo objetos religiosos em sua genitália frente a lideranças eclesiásticas, e até (pasmem!), costurando suas próprias vaginas. São as mesmas que precisam polarizar com os homens, tratá-los como portadores naturais do machismo e inimigos a serem combatidos. Até na intimidade de um casal, exige-se posições sexuais que não insinuem submissão da mulher. Até aí se faria necessário homem e mulher na mesma altura.

Falamos aqui de um feminismo mal humorado, que recusa flores no Dia Internacional da Mulher, argumentando que tal gentileza não combina com o espírito revolucionário da “mulher moderna”. Um feminismo que doutrina suas adeptas a vigiarem atentamente até mesmo os elogios, a não aceitarem que um homem lhe puxe a cadeira de um restaurante, que abra a porta do carro ou pague a conta toda.

Nem precisa dizer que este feminismo atrapalha. Que é inútil e em nada colabora para superarmos a desgraça do machismo, ainda presente na sociedade.

O que se espera da luta das mulheres é o equilíbrio e o comportamento democrático. Autodenominar-se vadias, promover a nudez pública e abrir uma guerra contra o masculino soam como ineficientes para a verdadeira causa da mulher dos nossos dias, que é a de construir um mundo menos desigual para elas, com salários, tarefas e papeis sociais que lhe caibam, sem que isso se configure em opressão ou injustiça.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Petistas, vocês falam demais

Por Adelson Vidal Alves

Mais que um partido, o PT é uma fábrica de delírios e fantasias, que se reproduzem através de seus papagaios nas redes sociais. Em 2002, precisaram inventar um Brasil “neoliberal”, “entreguista” e subordinado ao “imperialismo”, para que seu discurso se situasse à esquerda do espectro político, contra o mal que a “direita” fez ao país durante uma década.

Marcaram a fundação do Brasil para Janeiro de 2003. Ao invés de mudanças radicais, acolheram o livre mercado, investiram em políticas meramente assistenciais, trouxeram o sistema financeiro como principal aliado de classe em sua governança, apostaram na retórica progressista como modo de maquiar sua perfeita adequação ao modelo vigente. Nada de revolução, nada de socialismo, o PT de Lula e Dilma gerenciou o capitalismo trazendo para a gerência parte dos movimentos sociais, como UNE, CUT e MST, na verdade, apenas apêndices do governo.

Mas nas falas, postagens e artigos pró-governo, tudo se reduz ao mundo maravilhoso criado pelo petismo. Só seria contra, o pessoal da direita e da extrema esquerda, esta, na visão petista, apenas um braço de apoio da direita.

Contra a sua própria corrupção, o PT treina seus militantes a tratarem tudo como coisa da “mídia golpista”. Não há, no reino moral governista, nada de errado, tudo é perfeito, e quem é contra está agourando, torcendo pelos “fantasmas do passado”. Os petistas que vão às redes sociais diariamente, que divulgam blogs governistas, que escrevem e que militam, são soldados falantes de uma guerra contra o mundo “mal” que ameaça derrubar o paraíso Lulo-petista.

Falam demais, e falam sem qualquer dose crítica. Atacam, caluniam e agridem, tudo baseado no esquema teórico que divide o país em governistas do bem e oposicionistas do mal. Não sobra espaço para terceiras vias, para uma imprensa que não fosse a favor do golpismo, para movimentos sociais autônomos, na ideologia neo-petista ou é 8 ou é 80.

Seria bom para o país que toda esta farsa discursiva se calasse, que o debate se concentrasse em questões que envolvem o destino da nação, sem apelos a maniqueísmos e terrorismos eleitorais. Seria bom que uma boa parcela do petismo se calasse, e deixasse que os brasileiros decidam o rumo de suas vidas ouvindo a realidade, e não a história oficializada do Planalto, que vira verdade incontestável na boca da militância.

Petistas, vocês falam demais.

terça-feira, 3 de junho de 2014

VR: Um apelo à harmonia dos poderes

Por Adelson Vidal Alves



Em Volta Redonda abre-se mais uma crise entre o Executivo e o Legislativo. Desta vez, a razão é bizarra, e expõe o baixo nível da política institucional da qual se alimenta a cidade. Alguns vereadores resolveram trancar a pauta da casa. Não aceitam votar nada enquanto o prefeito não exonerar o comandante da Guarda Municipal, Major Luiz Henrique, acusado pelos parlamentares de truculência.

Não precisa ser jurista para saber a ausência de amparo legal em tal atitude.  E também  é fácil constatar o quanto é anti-republicano  paralisar a atividade política de interesse público por conta de desacordos pouco esclarecidos entre Prefeitura e Câmara. Além do mais, cabe ao prefeito, para o bem ou para mal, nomear seus subordinados em secretarias e autarquias. Vereadores não devem e não podem impor a composição da equipe de governo. Não é esse seu dever.

O argumento aparentemente mais plausível vem de quem defende o cumprimento de uma lei, de autoria do vereador Adão, que exige que todo comandante da Guarda seja funcionário de carreira. Também não precisamos de diploma de Direito para perceber que tal Lei não combina com a Constituição brasileira, a mais corente e democrática de nossa História. Já pensou se todo Secretário de saúde fosse obrigado a ser médico? Todo Secretario de Cultura um artista, ou todo Secretário de Educação um professor?

Mas nada é tão bizarro que não possa piorar. Para coroar o espetáculo risível que aprontou uma parte de nossos vereadores, um deles, Maurício Batista, resolveu solicitar o impeachment do prefeito. Já não é novidade que a oposição parlamentar ao governo Neto há muito abdicou da política para concentrar-se em mecanismos judiciais como forma de destituir o poder constituído do município. O que estranha-nos, ainda mais, é a patética insistência em se buscar unicamente este caminho, deixando de lado opções políticas que façam jus a um debate de alto nível sobre as grandes questões de nossa cidade.

Não nos cabe aqui evoluir para uma discussão quanto a qualidade do governo Neto, ou mesmo pontos mais detalhados do mandato de cada parlamentar. Desde que equilibrado e constitucional, a relação oposição/governo sustenta, para o bem do pluralismo, uma verdadeira dialética democrática, que garante a diversidade de ideias e as divergências saudáveis entre as várias forças políticas. Não interessa ao município, porém, que os dois poderes políticos vivam em atritos, negando um ao outro e afetando a estabilidade institucional da cidade.

Não é a primeira vez que isso acontece, o que, de certo modo, revela um espírito nada conciliador rondando o Palácio e a Câmara.

Para que nossa democracia funcione a favor da população, esperamos um trabalho conjunto, mesmo que divergente, entre os três fundamentos administrativos da vida republicana. Não se pode aceitar que o ódio, o desequilíbrio e a oposição vazia pautem a vida de nossa sociedade. E neste caso particular, parte do legislativo a iniciativa de ferir a harmonia dos poderes, obstruir a relação que se exige para uma governança moderna.

Fazemos um apelo para que tal harmonia se restabeleça já, guardando as diferenças que uma política democrática aceita, porém, agindo sem prejuízos para a ordem institucional e a vida do povo.