terça-feira, 30 de junho de 2015

Conrado, Biasin e a "Ideologia de Gênero'

Por Adelson Vidal Alves



Em 2014, depois de um amplo debate, o Plano Nacional de Educação, em sua primeira versão, apontava diretrizes para se levar à escola o importante debate sobre a diversidade sexual. Ao ser aprovado, no entanto, ele deixou os estados e municípios à vontade para adotar ou não esta prática. Em 2015, com os debates sobre o PME (Plano Municipal de Educação) os municípios voltaram ao tema, e em Volta Redonda, os educadores e interessados neste debate foram surpreendidos por uma ação autoritária e obscura do vereador Paulo Conrado (PSD), que aprovou uma lei proibindo o ensino nas escolas daquilo que ficou conhecido como “Ideologia de Gênero”.

Conrado recebeu apoio integral do bispo católico Francisco Biasin, que criticou a possibilidade de “liberdade absoluta” das escolhas sexuais, assim como a destruição da família tradicional. Neste caso, um bispo católico e um porta voz político dos setores mais retrógrados do protestantismo neopentecostal uniram forças.

A questão, no entanto, foi profundamente distorcida por Conrado, pela Câmara dos vereadores e pela Igreja Católica, que aprovaram e apoiaram o projeto de lei. A justificativa parte da premissa falsa de que o objetivo é doutrinar crianças, inclusive com o incentivo da prática homossexual. Ora, ninguém acorda num dia de sol e escolhe ser gay, enfrentar todo o preconceito da família e da sociedade. A construção da identidade sexual vem de dentro para fora, e quase sempre recebe resistência do individuo, que enfrenta contradições internas frente ao seio social que vive. Quando assume sua homossexualidade, não o faz como se escolhe uma escola de samba ou time de futebol, tão somente afirma sua natureza.

A Igreja parte do princípio de que Deus fez homens e mulheres, com papeis estáticos e até hierárquicos. Ignora um mundo ao seu redor que pena a intolerância de seus dogmas, sofrendo a demonização de determinadas orientações sexuais. A orientação educacional de se discutir questões de gênero nas salas de aula não pretende produzir gays, isso é estupidez e ignorância pura. O objetivo central é incentivar nos adolescentes e jovens o sentimento que vivem em uma sociedade diversificada, e que é preciso tolerar as diferenças, respeitar realidades que muitas vezes lhes parecem estranhas. Não é nada mais que a tentativa de usar a escola para fins de civilização, no mais alto respeito a democracia.


O vereador Paulo Conrado, contudo, deu voz ao atraso, ao autoritarismo de não ouvir quem está envolvido no tema, ou seja, os educadores. Na ambição de transferir sua fé para a esfera pública, violou os principio republicano de um Estado laico. Um enorme retrocesso na vida institucional de nossa cidade. 

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Por uma esquerda pós-comunista

Por Adelson Vidal Alves


O fim da URSS significou o esgotamento de certo modelo de comunismo, inaugurado pela revolução russa de 1917.  Tal modelo, fundado numa leitura particular e autoritária de Marx, contaminou grande parte do comunismo internacional, universalizando formatos de partidos marcados pela centralização de decisões em pequenas cúpulas burocratizadas. Partindo desta concepção partidária, os países que aderiram ao chamado socialismo real, reproduziram na esfera estatal alta dose de ditadura, a principio nomeada de “ditadura do proletariado”, mas que no fim fundia partido e Estado, promovendo governos profundamente autocráticos.

E foi exatamente o desprezo pela democracia política que fez desmoronar toda esta experiência, persistente, porém, sempre cambaleante. A queda do muro de Berlim e a derrocada final da União Soviética aplicaram um duro golpe no marxismo, mesmo que o verdadeiro atingido tenha sido a versão distorcida deste. Com isso, as alternativas que se apresentavam oscilaram entre a recusa da revisão e a abertura para um debate que modernizasse o movimento comunista.

Hoje, sobretudo na Europa, abre-se um campo político de esquerda, oriundo do velho comunismo, mas conectado com a complexidade do mundo contemporâneo, ciente das novidades apresentadas por um universo cultural, econômico e social fortemente globalizado. O eixo de tais partidos já não é mais a velha aliança simplista operário e camponês, simbolizada na cruz e o martelo do comunismo histórico. No centro das preocupações está a democracia, vista como valor universal, a ser difundida e ampliada como conquista cívica, e não de uma classe apenas.

A esquerda pós-comunista, então, deve observar a movimentação da política e agir nela de forma plural, diversificada e nos limites do Estado de direito. Sua estratégia consiste na busca gradual de consensos, em alianças pacientes entre forças democráticas, sem sectarismos ou classismos. Deve se comprometer com um programa democrático, alicerçado no paradigma do reformismo, sem qualquer ilusão com rupturas abruptas no sistema. Pode e deve ser anti-capitalista, mas jamais teleológica, isto é, não deve construir projetos finais, nem estabelecer horizontes estáticos e prontos para a sua utopia. Uma esquerda pós-comunista é o que espera de uma verdadeira renovação dentro da esquerda, capaz de atender o mundo atual e toda sua pluralidade.


quinta-feira, 11 de junho de 2015

Em primeiro lugar, a democracia

Por Adelson Vidal Alves



O Brasil conhece, desde a fundação da Carta constitucional de 1988, um processo sólido e robusto de redemocratização, que fez a travessia correta até um Estado democrático de direito capaz de resolver os conflitos contemporâneos sem que sejam promovidas guerras abertas e violentas. Isto nos diferencia de nossos vizinhos venezuelanos e argentinos, que penam ainda hoje a violação cotidiana da paz por lutas sociais que se esquivam da institucionalidade democrática.

A realidade brasileira, no entanto, não nos protege totalmente de desvios autoritários, nem garante uma discussão permanente, pacífica e tolerante de todos os dramas que nos cercam. Em tempos de ascensão à arena política de grupos excluídos, até então praticamente invisíveis, os ânimos se acirram, exatamente por que conservadores e os que agora chegam exigindo lugar ao sol não conseguem se comportar com a devida obediência às regras cívicas conquistadas a duras penas ao longo de anos.

Exemplo emblemático e recente é a polêmica envolvendo o transexual na cruz da parada gay. Sabemos que o movimento LGBT, em sua direção, tem enormes dificuldades em acatar a democracia como terreno exclusivo da luta por cidadania. Pelo contrário, sua tática sempre foi a do escândalo, do choque e da ofensiva. Quem não se lembra daqueles gays que introduziram símbolos religiosos no ânus? Nos tantos beijaços homossexuais feitos em frente de igrejas e até mesmo do papa? Aqui não há luta por cidadania, há deboche, agressão, provocação. O resultado não será ampliação de direitos, mas sim ainda mais ódio e segregação.

O episódio da trans crucificada é justificado como sendo arte. Ora, desde quando a arte tem licença para agredir a fé alheia? Concordemos ou não, a cruz é símbolo histórico de uma religião que, com todo direito, considera blasfêmia seu uso sensualizado por um homossexual. Sabendo disso, porque então colocar mais lenha na fogueira? Para que estimular ódio, agressividade, constrangimentos? Ganhará a comunidade gay com isso?


A esquerda brasileira em sua maioria saiu em defesa da trans, simplesmente porque no seu pensamento mecânico há de sempre se defender o oprimido, mesmo quando seus recursos de luta ferem conquistas da modernidade. Mas os progressistas democráticos sabem que o que deve se defender é a democracia em primeiro lugar, sabendo que qualquer avanço fora dela é risco para o processo civilizatório. 

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Escola, pra quê?

Por Adelson Vidal Alves



As salas de aulas parecem uma fábrica. Alunos-operários trabalham em formato de fileira. São divididos por séries, que supostamente comportariam estudantes com as mesmas habilidades, capazes de acompanharem igualmente o processo de aprendizagem. O professor transmite conteúdos rigorosamente separados por bimestres, geralmente, com conhecimentos distantes das realidades dos alunos. As avaliações deste modelo escolar se dão por provas de múltipla escolha.  Eis aqui a nossa escola.

Todo este drama, acima narrado, produz questionamentos sobre a necessidade da escola. Os alunos não entendem porque devem saber sobre a vida dos faraós, a fórmula de Bháskara ou o conceito de planície e relevo. Isso porque os programas não fazem sentido, nada que consomem servirá para sua vida, e o processo de ensino é penoso e chato. Como os pais ainda enxergam a escola como um lugar onde é possível promover alguma mobilidade social no futuro, são todos obrigados a frequentar as escolas. Até mesmo os governos condicionam programas sociais à permanência de crianças na escola. Se há obrigatoriedade, sinal que o lugar não é nada agradável. Já viram alguma lei obrigando crianças brincarem, comerem doces ou irem a um parque diversão? Lugares divertidos não exigem obrigatoriedade. Por que então, que o processo de aprendizagem não pode ser gostoso? Porque a escola não pode ser um ambiente de prazer? São perguntas que faço todos os dias.

Deveríamos abolir de vez as salas de aulas, os conteúdos separados, os programas curriculares, os professores transmissores de conhecimento, as aulas cronometradas rigorosamente, os horários rigorosos interrompidos por barulhentas campainhas.

Devíamos investir na curiosidade dos alunos. É ela que deve dirigir o processo de aprendizagem. O tema a ser estudado deve ser de aptidão de cada um, articulado com sua realidade. Escola é pra ensinar a pensar e fazer com que todos aprendam a amar o pensamento. Para isso, precisamos de uma escola livre, sem grades curriculares a serem cumpridas, sem professores que se consideram portadores do saber absoluto. Uma Escola feita pelo aluno em colaboração com os professores.

Nossa escola, porém, existe em função dos vestibulares, das avaliações institucionais. Os estudantes são adestrados com conhecimentos mecânicos, estáticos e longe da vida real. O sucesso neste modelo de escola tem a ver com os gráficos, e não com o produto humano que estaremos devolvendo à sociedade. Isto é, mas vale a produtividade percentual do que a felicidade do aluno crítico e autônomo frente ao mundo que vive.

Estamos longe de mudanças. Os educadores parecem aceitar o absurdo da escola atual, e a sociedade prefere a escola-coerção como disciplinadora para a ordem social vigente. Sem os devidos incentivos, os profissionais de educação começam a perder o principal para sua vida educadora: o amor pela educação. Eis aqui o maior desastre.